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Apenas Um Pouco Sobre as Mãos


P/ Iko Vedovelli and your magic hands

“... espantoso, que nossos olhos enxerguem por um deus cego,
e sejam também os olhos do Sol...”


Fecham-se as portas. Você passa. Eu lembro e mergulho em você. Protejo os olhos do Sol com as mãos. Da ponta do polegar ao mínimo. Uma bola de vidro partida. Vinte e dois centímetros: é um palmo. Distância capaz de determinar a severidade ou a graça de uma história, de protelar o sonho de um atleta, ou até mesmo aniquilá-lo. Percurso que pode fazer o focinho de um cavalo transformar o resto do conjunto num famoso garanhão, ou num indistinto pangaré. Sim. Um palmo pode. Pode separar um dia, uma noite; uma vida, uma morte: Um Palmo Pode. Pode separar um abraço, um beijo... No entanto, beijos separados por palmos acusam pausas e, em cada intermezzo, existe um pico onde as palavras não alçam vôo, e te olhar então, assim pausadamente, sem pressa e sem pensar nada, só olhar. Este vazio. Estas possibilidades que o tempo arrasta rumo ao acaso. Eu planejava imaginar outros caminhos, mas este palmo que nos separa prenuncia: 30 minutos se passam como 5. Teu sorriso é meu encanto. Você não se revela. Mas sei quem és. Amo cada um dos teus defeitos, dos teus acertos... A campainha toca. O palmo se estende até um quilômetro e meio. Distâncias que nesta noite, determinarão o vazio entre nossos indefesos corpos, e onde repousarão as eras que separam nossas mentes. Você passa a catraca, desce do ônibus e não olha pra trás.
Sigo eu com o rastro de teu perfume nas narinas e um enorme e inexplicável vazio no coração. Vislumbro as milenares montanhas de sempre. Azuladas como sempre. Ainda mais belas do que sempre. Deliro em comprar uma régua escolar. Sim, de trinta em trinta cm decomporia niponicamente em escalas perfeitas todas as distâncias de minha terra, e quem sabe com um pouco de coragem e arguta visão, definiria a exata posição de seu ecossistema no mundo, e assim sendo, eu e a terra voltaríamos a ser Um só.
Desço do coletivo. Corro pra casa. Tomo meu banho. Amy Winehouse “You Know I’m no Good” in my sound. Desplugo o fone do mp4. Um chá de pêssego, depois Tracy ‘Crossroads’ Chapman in vinil. Depois o vinho. Chat, Ornette, Count, Nouvelle Cuisine. Três e vinte da manhã. Separo um Stanley Jordan para o Sol. É quase manhã. Então de teus olhos, vergo à vista pra tua infusão de mate, nem morna nem quente, sinuosamente a melhor dos pampas cisplatinos. Lembro a “‘Imitação da Rosa’: ‘Gostar de estar vivo dói.’ ” Sim, querida Clarisse, dói. Estou deitado. O meu vinho, que não é o pior do cometa, acaba. Fecho os olhos. Penso em Djavan: ‘Amanhã outro dia...’ Releio apaixonadamente pela sétima vez os ‘Cem Anos de Solidão’ do ‘Gabriel Garcia Marques’. Já estou com a ‘Casa dos Espíritos da Isabel Allende em vista’ pois que me clama para uma terceira releitura. Já ‘Banheiros’, do ‘Victor Giudice’ tem exclusividade de escrutínio em meu WC há pelo menos dois anos. Prescindo por vezes na necessidade de comprar novos livros, baixar novas músicas mas... não sei se quero aventurar-me nesta multiafetação do espírito. Sinto-me enraizado no que sou. Uso sempre camisas brancas. Estou cego e surdo para o meu próximo. Tenho uma idéia primitiva, genial e em hipótese alguma vestiria roupas com heróis em quadrinhos ou ostentaria em minhas camisetas impúberes adolescentes de mangás. Sei o que não quero. Há muito queimei faixas e bandeiras. Não represento nem levanto estandartes. Meu ideal sou eu mesmo. Não assisto à televisão. Não sou refém dos comerciais. Sei das mensagens subliminares. Não ouço vozes. Não estou esquizofrênico, e ainda assim, não vou dormir por mil anos. Nem por isso vou entregar meu frágil-humano-corpo aos efeitos destruidores dos fármacos com suas boletas de receita contida. Sim, como nas ‘Mil e Uma Noites’ insistirei visceral. Inventando durante todas as madrugadas uma só madrugada: num só sonho: um milênio. Um calhamaço. Mil páginas de histórias sobre um novo sistema de desmedidas medidas. Pressentindo que na escuridão do mundo, em meu quarto, naquele imperfeito que não finda, quando esqueço transferidores e compassos: há um palmo meu querer pulsa, o pulso amortece, revolto com a mão fragilizada o livro tomba, morno o líquido sobe, escapa, escorre e a solidão perdura. Enquanto a um quilômetro e meio: sim, a um titânico palmo: indefesa de mim e do mundo, você adormece...

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