Dos Reflexos Diurnos
“A lentidão deliberada, cigarro a
cigarro, com que ele passava a limpo
aquelas páginas, ocultava o temor de
terminá-las, quando teria de voltar as
exigências concretas do cotidiano,
cruamente, sem válvula de escape.”
(Cristóvão Tezza – em “A Suavidade
do Tempo”)
As chuvas se foram e a contemplação
natura há muito perdeu o sentido.
O sofrimento agora se faz lírico.
A poesia, é a parte sonhada das revoluções
secretas.
(Dani Estefani)
Enviesada com algo letárgico, a realidade fez-se inexorável em seu contato com as eras. Sob verdades místicas: a busca insana pelo ocorrido. Há priscas eras a eternidade abandonada à desintegração metafórica. Em silêncio e infeliz ante ao peso da mão adulta. O verbo fragmentou-se ficcional: atravessou o espelho e sorriu para um gato cego. Ver: crescimento e morte. Viver: sempre tão pouco frente ao sonho. A realidade execrável dentro da moldura. Onde a imagem não é quimera, mas descoberta simples e certa: não vão ao túmulo de Alice, aquela que morreu no banheiro ou, a que entrou na toca após o coelho. Não são tuas irmãs. Não queira fingi-las. São totens distantes de tuas designações. Traduzíveis somente na alma da desconhecida expressão inata. Fragmentos de profundas luzes e sombras quando correr, era tão pouco mas a única solução frente ao medo. Hesita. Não é adequado fotografá-las nuas. Desejo angular rumo ao insólito naufragando púbico. Iluminando a memória do claustro ao silêncio. Boneca de porcelana? Aterradora pálida e de pedra. Mito enrustido. Endogamia. O espelho quebrado e uma alma partida na imagem despedaçada. Frente ao templo do espia um colapso no espírito: o tempo é o tanto, absurdo signo que rege indecifravelmente os que mergulham em mistérios. Das incertezas, algum passado de sonho e manhãs de pesadelos. Sombras magras por trás dos plátanos: escondo-me entre finos dedos. Matéria impenetrável eclipsando o Sol. Menino dormindo no estio e nele o anular azul cintila, ante a abóbada celeste: a mão trêmula da ilusão decrépita, que decapita e fere com o fio do desejo, com a espada do tempo ceifando todo trigo envilecido no coração do menino. Numa página secreta, uma folha repleta de velhas verdades, prosa contínua onde o entardecer desponta, crianças brincam ante as gigantescas sombras. Sem dissabores, alheios às arrudas secas, marca-páginas amarelado somos nós! Que livro inexplicável este mundo. À frente vejo álamos, alamedas e estreitas avenidas. E o que há por trás das agruras das horas? Das casas coloniais. Das noites acordadas com seus signos. Com seus receios. Saliências nas portas. Umbral ungido com o sangue do cordeiro. Nas pontas dos olhos faíscas. Fogões de lenha. Chaminés de zinco. Manchas negras em algumas das tábuas da parede. Recordações do passado: no córrego nunca é tarde. Há janelas e frestas dentro dos seres. Recolhidos a mais profunda solidão de silêncio súbito e irreversível talvez. Sim! O desejo com suas asas podadas assume posição imóvel e atenta. Alguma serenidade no azul celeste. Pressupondo o ócio: o transitar insaciável no vazio. A possibilidade errônea de esperar por nuvens plúmbeas que não passam, olhos vesgos que não choram e corações contritos que não ousam desejar. Intranqüilidade na noite ameaçadora que precede o espasmo. Os pingos gritando a impossibilidade de se aconchegar na alma. As clarabóias azuis fechadas. Os delicados braços cruzados. Agonia frente ao corpo agasalhado. Pelos eriçados em regozijo frente à brisa que não cessa. O destino arredio comprovado pelos inúmeros calos secos. Nas palmas das mãos a história do cansaço. O ressonar composto por pesadelos enigmáticos. A certeza de que o Sol matutino não trará nada além de um outro dia. Com alguma dor e certeza, sem introspecção e sem remorsos, a confiança de que se aquietam as gotas chorosas. Findando estes dilúvios internos que em horizontes tempestuosos cobrem de raios os delicados corações. Alguma insanidade na noite suporá um vício. A tarde repleta de ansiedades desencadeará temores. E a vida, ao desintegrar os amores seguirá insone. Cíclica e isenta aos clamores dos reflexos diurnos, dos anjos rebeldes e da surreais conquistas destes desolados terroristas poetas.
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