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Dos Conhaques às Estrelas, Por Trilhas e Montanhas no Mais Puro Caos (... sobre o mito do amor...)








p/ Joaquim Olimpo de Miranda, Bento Manuel de Leão,
Antônio Messia, Antônio Silva e Vilmar Drey. (heróicos montanhistas).

“Para ver muitas coisas é preciso desaprender a olhar
para si mesmo. Essa dureza é necessária para escalar
montanhas.”
                                         (Nietzche – Zaratustra)

“Tinha diante da vista a cadeia de montanhas que em
criança tantas vezes contemplei com olhar de inveja.”
                         (Johann Wofgang Goeth – Werther)



Pensando no que ia dizer-te, indeciso e cansado sob as torturas que o acaso tem me aplicado, optei por iniciar esta nossa conversa por uma generosa dose de conhaque. Caríssima, nestas últimas semanas, estive pensando no arco-íris infinito formado por todas as pequenas diferenças. Visão pura. Olhar sem engendrar idéias. Pensamentos são coisas individuais. De nada vale o esteta. Todos morrem. E mesmo que seja memorável o rito fúnebre de passagem, seu personagem central o que verá? Resta viver desmistificando mesmo que para isto haja dor. Todo desejo é válido. Não há pecado. Apenas liberdade em natura. O mais? Distúrbios psicológicos. O escuro. O depois. Para isto existimos. Para vislumbrarmos o derradeiro encontro com o nada. Ou seria o tudo? Algo não dialético. O jorro. A vazão. Interlúdio entrecortado por convulsões e desmaios. Irreal o mundo à volta. O berço de onde viemos é tão somente o silêncio: o conceito mais próximo da eternidade. Cada um, enxerga suas próprias matizes. Personalizadas gradações. Traduzindo em áudio-loucura um diálogo desconcertante, enganoso e, entretanto natural. É loucura minha amiga, e não é. Feito ouvir miríades de tambores em profusão na imensidão do mundo. Crianças brincando indiferentes às suas peles distintas. As cores vicejam na tez, mais do que o canto consegue perceber. A imagem captura o instante, desfigura o tempo e rompe o dique dos olhos rasos d’água. Miram lembranças que não cabem em fotografias. Os pequeninos sorriem a esmo por ignorarem distinções entre cores. Alguém questiona um menino: “_Azul ou Vermelho?” Ao que ele responde: “_Vermelho azulado ou... pode ser um azul avermelhado mesmo.” E assim a vida prossegue. A noite é escura. O dia não. E a vida é feita de noites e dias. E, todos os pigmentos humanos harmonizados, possibilitam a fotossíntese de salvação da espécie. O céu, é o que de mais belo conheço, desconhecendo homens que tenham asas ou que estampem seus rostos no azul. Já o vermelho...
lembro logo de “Rumble Fish”. Guetos. Bunkers. Bares e ruas servindo de palco para uma cambada disposta a combates extenuantes e imemoriais como os praticados pelas “Gangues de Nova York”. Inclusos e exclusos. Os que entram na grande festa da história, e os que assistem do outro lado da rua, enquanto conversam com o guardador de carros. Daltônica noturna. Exoti-c-idade suburbana onde uma pet shop esconde peixes ornamentais oriundos do oriente, encarnados ao extremo. Fantásticos. Indescritíveis. Dentro de um vasto mundo em preto e branco ou sem nenhuma cor. Tentar libertar-se da hipocrisia dos olhos. Dos grilhões que travam o avanço. A technicolor que encarcera peixes. A polícia que atira em ladrões e acerta sempre nos aquários. O asfalto que frita em meio a um calor fétido e poluído. A matéria corante e a mais inútil das prisões: o destino do conteúdo dos olhos.
Sob ininterrupta sombra. Ante a arvore de toda angústia o meu coração fenece. A neblina das lembranças me cega. Rasgado. Esfarrapado. Corpo angustiado entre panos insanos. Preso a galhos, folhas, flores e ramos... Solto a esmo, mergulhando em profunda fenda, que é a solidão resultante da paixão, cerimoniosa e lenta, lenda onde a noite cinge-se de pânico, pois em meio há horas e esperas, a mente escapa para que almas se enxerguem, delicadas mãos se toquem e no escuro, nova etapa surja e que se cumpram os desejos dos olhos erguidos por cima do muro. Pois que: sábio é o medo do que fere por dentro. Mentir o que sinto ante a realidade que por vezes enfrento. Teu medo extinto. Meu calar sedento. Em teus braços, largo-me ao largo de onde há tempos, derrubo estandartes de guerra, abraço o teu barco pirata, e sob tua ideologia ‘maquiavélica’ bebo em Sun Tzu, sobrevôo Mishima, aporto ao teu largo, desço o tombadilho e invento-te venturosa cabine. Desço as amarras. A âncora toca teu fundo no segundo exato em que me beijas a face: estou dormindo. Com teu guarda-chuva esfarrapado, fugindo das chuvas ácidas de um futuro outono. Desgastando moléculas tristes de cimento e pedras. Despencando. Escorrendo por bueiros onde o conteúdo traduz as sobras dos deuses. Resquícios de espíritos em torpor. Ajoelhados em desespero. Amargurados e agarrados num vazio compilado e impresso. A espera de um trono sobre nuvens: padecem. O concreto é burro, duro e jamais espera por discos voadores. Compulsão. Hálito. O som apagado. Necessário interpelar poemas e vociferar mentiras. A dor se apaga. O calor renasce. E a luz sempre conduz os sonhos. Algumas imagens perversas, as palavras não podem trazer de volta. Um perfume repentino e assombroso. Depredação no cemitério das saudades. Mortos revirados. Vandalismo intolerável: o cheiro dos amores perdidos. E o silêncio dizendo sempre as coisas certas em madrigal lampejo. Vozes arrebatando o que é surdo em mim. A vontade de arrancar cedo o broto do desejo. De desarraigar-me, extraindo minhas raízes desta turfa sem fim. A dor desperta. Despertador. Terceira pessoa do plural: futuro do verbo ver. A espera de um calor distante, partindo geada com os pés descalços, sinto-me completo e esquecido do destino. Penso em ti como um sibilo de primavera, como um tesouro nas águas claras de Madagascar. Imagens que cuido como coisas simples, delicadas e cujas folhas, a morte não poderá derrubar. Pois é de dentro de mim que jamais partes, onde uma tarde estupenda de Sol delira, todos os cães do mundo dormem e ninguém mais chora, nós não envelhecemos, o tempo está parado e quando do desejo acordo, é ele, o desejo, que meu ombro toca. Então, nas pontas dos dedos aponta a resina. Embaixo do braço está o violão. E a dança que a planta faz quando fumaça me encanta. Enquanto o Sol o horizonte despedaça, a vida, eu canto, canto:
O subúrbio e seu andamento, são a têmpera de uma sociedade que não seduz. Por que é impossível, segundo Caio: ‘seduzir os que têm asas... ’ Afinal, caríssima, o alimento do viajor é a imaginação criativa. Nunca a ilusão doente dos que clamam. De nossa incapacidade de assimilar, conviver e superar as próprias dores surge o mito do espiritual amor: utilização covarde do medo. Meros andarilhos do existir. Rebeldes do sonhar. Vermes loucos em ascensão. Suicidas do pensar. Decadentes a espreitar as vicissitudes do ruir. Estelionato sustentado por bulas que o tempo e a solidão não facultam aliviar. A beleza ganha ares agressivos nas imagens, pulsando num balé desconcertante: os deslizes. A fina flor da dança (Pin Obu Los). Sonhos de exílio nas estalagens mais distantes. Febre passageira na toada dos cantantes: musica estrangeira. Grito em Tupi! Berro uma canção Xavante! Componho em Guarani. É tão verdadeiro o instante. As nuances do arranjo, que a beleza se revolta em poesia, em linguajar falante, sim! Era uma estória que ali tecia: num ritmar de acalanto uma velhota previa, o destino do menino que num rompante crescia. A gargalhar em inocência. Em progressiva loucura. A intrigar os farsantes. Sim! Colorido. Falo desta beleza que acaricia a quietude sem cobrar nem exigir. Um, mesmo que inoperante sentido, ignorando os dispêndios, mas se rasgando em dança, que não se mostra, mas cansa, avança e tenta arranhar o véu entre o que finda e o que não pode ser medido, quantificado ou presumido. Perverte a forma para conquistar o espaço. Um período além do colapso de horror. Um cavalo livre numa tela. Cem mil cães numa caçada. Alguns dispersos em noite fria. Pisando folhas secas. O inverno próximo. O vento no rosto e o espírito se contorcendo de dor. Nas entranhas: o que é morto apodrecendo. Sob os pés o aspecto de grãos de areia: antigos meteoros. Bólides errantes, matéria morta, é nestas horas minha amiga, que desejo ser deus. Mas não destes que produzem humanos como se fossem garrafas de conhaque. Em série. Rotulados. Em comum líquido envasados. Feitos para ignorar a disciplina da verdade. Inventores de colossais engenheiros malucos. Carcomidos por nefasta cirrose oriunda de sua apreciação por degustar decrépitos mundos. Nós, os clarividentes refugiados no planeta azul, bendizemos os campos onde carnes suam, lutam e apodrecem. Sabemos que se quebra o vaso, mas o líquido não se perde, Pois não escapa o que é precioso de mãos delicadas. E até hoje, ninguém percebe o número de dores que compõe um homem de verdade. Ardente. Resoluto. Não busca uma cidade perdida ou um paraíso derradeiro. Não há imortalidade em canto algum do universo. Ficamos por vezes abstraídos, sem rumo, fazendo amor consigo, esvaziando em vão os conteúdos. Lentos. Doloridos. Poucos de nós gostam de dizer verdades a respeito de si. São tantas ideologias imundas querendo revelar-se. Há tão pouco conhaque na garrafa e tanta seiva. E nós que queríamos apenas um templo fora do tempo que abrigasse os perdidos.  Masturbações coletivas astronômicas. Risos galácticos. Suores a esmo. Mil discos no Planalto Central e um bode numa canção do ‘Ventania’. Findamos estradas atrás entre poeira e pedras. Ficamos pequeninos e corajosos esperando descobrir no início de cada manhã, o porquê o azul acontece. E o fascínio sempre rumando à objeção. A loucura tão acelerada que vislumbrar o mistério se perde. As eternas questões transpassando mentes enganosas. As coisas contínuas. As vontades salgadas. Salivas e flagrâncias de uma balada de infância. Lamentos de um relógio posto ao topo de um zigurate horroroso. Atraindo a visão dos que têm pouco tempo para olhar. Flamulando recuerdos prematuros. Mal a coisa nasce e já ganha ungimento em algum museu. Subterrâneo compondo gritos traduzíveis somente em leitura, tarde cansada, andante exausto, underground findado, as ilhas de liberdade se decompondo em temíveis gritos e à beira do tempo, pela estrada afora da vida, as setas apontando o caminho da coragem.
Contam as estórias, que os compositores dos Universais acordes, pautaram a realidade em momentos indecisos, cegados pelos coloridos ciscos do sonhar. A chuva permanece. Alguns dias são cinza. Quatro estações perseguidas e uma só mortal. Finitos. Humanos. Uma rachadura na primavera. Uma estrela que se cala devorando a vil matéria. Falido o mito do inferno: despedaçado. E mesmo que num vórtice às horas parem e os atos mudem, erigirão outros santos sepulcros, novos limosos muros onde chorarão sobre armas de antimatéria, que roubam o marulho das ondas, conspurcam o ressonar do vento e desarvoram todos os pássaros que involuntariamente migram para o nunca. O estará vermelho e límpido. Sem água, nenhuma tempestade se enunciará. Há milhares de bilhões de anos luz ficará um mar. Que mar? Humanos não mais pisarão canoas. Não captarão o momento exato de migrar por que não sonharão mais ser ‘Fernão Gaivota’. Expurgar a exatidão do sombrio. A boca amarga. As asas pesadas pelo etanol. O incendiar tendencioso desta época. Estas palavras que agora professo. O amor que não contenho se abro os olhos. Liberto o travo da língua se te colho com as mãos pesadas, uma indigesta e letal flor. Fulgurante, tua presença desmantela meu raciocínio metódico. Liberto, deixo esvair de minhas extremidades a rutilante história de uma paixão que se renova todos os dias. O mito que nos acede sempre que nos entregamos a beleza. Esta parece erigir-se da ordem, mas pelo contrário meu bem, o caos lhe é uterino... O conhaque acabou. Acabou a conversa, minha cara. Fique com as palavras de João Esquizofrênico sobre o Alfa e o ômega. Maldições sobre Éfeso, Smirna, Pérgamo, Sardo, Tiatira, Filadélfia e Laodicéia. (...) “7. E o primeiro animal era semelhante a um leão, e o segundo animal semelhante a um bezerro, e tinha o terceiro animal o rosto como de homem, e o quarto animal era semelhante a uma águia voando.” (...).
Neste fim de semana, estou decidido, vou adentrar as enegrecidas trilhas entre seculares araucárias, entre o Anhangava e o Pão de Ló: o portal. O dourado Gavião Carijó. A gruta da santa. O caminho do Itupava. Um mar de bromélias. A Casa do Ipiranga. O Véu de Noiva. A Represa do Carvalho. O Rio Taquaral. O Salto do Macaco e do Rosário, Engenheiro Lange e o sopé do Marumbi. Agora sim. Olhar pro mundo sobre as nuvens. Ascensão frontal via Facãozinho, Boa Vista, Olimpo, Gigante, Torre dos Sinos, Abrolhos, Ponta do Tigre e Esfinge. Com descida pela trilha Noroeste. Um pulo no Enferrujado Parque do Lineu, no Paredão Preto, no morro do Piquenique, no Parque Shiebler, na Cachoeira dos Marumbinistas e um último banho na Piscina. Sair pela Pedra Lascada, Cemitério dos Grampos. Túnel 4, Viaduto Carvalho, Túnel 5, Rochedinho, a apocalíptica Ponte S. João (o esquizofrênico) e o trilho do trem até a inefável Toca do Peixe. Pela barragem, Roça Nova, Vila Fuck, Centro Velho até a lendária Planta Araçatuba. Para então, só então, sob o perfume do eucalipto te dizer, traduzir, qual o semelhante do animal que sou. Se bezerro, leão, homem ou Águia. Agora mesmo, sem ainda ter dado um passo rumo à floresta e montanhas, sinto que a resposta definitiva cabe com exatidão e simetria nestes espelhos consagrados a minha vaidade que me dizes serem teus olhos. Isto, amada! Vôo em teus olhos, e se te escapo pelo rosto, é pra que surjam em tua boca as poéticas bênçãos. As incontestáveis beatitudes. Inalo-te o perfume. Abraço-te viva como numa despedida fúnebre. E beijo-te. Sim! Beijo-te, pois que aquecidos ainda estão os lábios. E o que não pode mais ser reescrito: vela-se.

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