Para PenelopeSu, Ana e Sr. Joyce
"Eu percorro esta mulher como um trem fantasma,
por colinas e vales, através de cidades adormecidas."
(Clarisse Lispector - em 'Um Sopro de Vida").
O fogo. O prato. A vida: chama de uma vela que resiste na estrada, em meio ao vento que não arrebenta a labareda, certo que ao fim, a morte se nos leva é simples brisa. Surto em que não sentimos frio. Não temos medo. Ausente a urgência do sopro e, só a solidão encontra abrigo no silêncio. A harmonia não habita o Tibet. Resiste no coração dos justos: os que não se lamentam em muros nem constroem arrogantes minaretes. Não dividem o átomo mas, levantam o pendão do verde e da água, estendendo a mão e o pão ao mísero-igual-desconhecido. Brota em qualquer lugar: o amor! Única devoção pelo bem que se uníssona, suplantará o ódio, o egoísmo e a ignorância. Talvez digamos: "Como fomos primitivos!" Correto. Só a arte ameniza a condição miserável dos homens. A ciência? Apenas escarra em nossos rostos a dulcíssima e original equação: a verdade: os humanos como macro-celulares vermes. Intermezzo de varejeira sobre um naco podre. Chega! Saciemos os vivos! Dignifiquemos os mortos! Um instante de paz na comunidade. Uma vida de memórias. O início do filme. O fim do poema. O meio da música. Um pensamento definitivo que acompanha tudo. Canhão que varre o ponto final. Um parágrafo a mais. Um acorde de Bach que perdido vaga, vaga e ninguém escuta a procura ou o encontro. Uma longa interrupção no décimo terceiro compasso e: "Twinnn Dlooon - próxima parada terminal Capão Raso, desembarque por todas as portas, você poderá fazer conexão com o Interbairros 2, Interbairros 3, Circular Sul e alimentadores da região". Burburinho em movimento, depois, não retorna o Sebastian, mas sim, o veadinho do Vivaldi. Primavera, verão, outono e inverno. Deus, com maiúscula por força da gramática, olha-me do ateliê do 'Bispo do Rosário' onde tem sido seu escritório há dois milênios, desde o despejo do lugar santíssimo. De lá, bêbedo e complacente, desgoverna a própria mente. Enquanto eu? Protejo a chama por sobre a cera, envelheço, o homem acaba mas a vida não. A maldição da consciência me estarrece. Distante do peso do copo não racionalizo nem desejo. Asas invisíveis se agitam, o ar se renova, apaga-se o lampejo, a vela se esparrama e a menos que eu ressurja noutra noite, não hei de querer nada que não luzes de estrela mortas, estão rasgados meus mapas astrológicos, estudos astronômicos pouco dizem. A escama não explica o peixe, mas brilha. Desde o ano passado eu não choro. Perdi a pressa ao perder-te. Passe a encarar nuvens passando com o mesmo interesse com que observo pássaros partindo. Andorinhas chinesas que não voltam. Tambor africano que não ouço. Sim! Depois de ti tudo terá sua exímia hora, seu devido lugar no nunca mais você. É preciso amolecer, dissolvendo no fundo do frasco a tina envelhecida, tirar a poeira do cavalete, escrever poemas bobos cheios de sentimentos diários, inspirados por um violão sem cordas. Afinal, se posso ser eu sem você: posso ser o mundo. Então tudo é possível. Bendita cada noite que não durmo. exata a ilusão que falece. Tsunami que dobra o pouco que há de pé. A noite eu passo. De dia reconstruo. Emudeço. Falo. Surgem outras línguas, outras crenças mas nenhum culto. Vinhos tintos lacrados. Nossos corpos numa adega. Nossos livros não relidos. Estas tantas outras coisas que agora são só minhas. Uma andorinha a leste por sobre o Atlântico, saindo d'áfrica, olha que vem. Perdoa-me? Perdôo-te! Então, aquela pequena árvore que plantamos no jardim, cresceu, já possui um galho morto onde sossobram inúmeras teorias do por vir. Estive nas primeiras horas de um novo milênio e vi fracassarem os velhos profetas. Ainda não ausentes as necessidades apocalípticas. A vida não sabe onde termina ou começa e, o que João (o esquizofrênico) viu, diz respeito a máquinas chifrudas e andróides de muitas cabeças. Acabou. Fim. Homens e demônios têm umbigo, os anjos, por não possuir falo: caíram. Deuses e mulheres ostentam ventres. Consiste na existência da mulher o ideal de perfeição. Será delas o século 21. Elas são como a terra, e a Terra sabe disto. Ambas enunciam tudo, gestam e constituem o fértil. Homens são semeadores deformantes da harmonia, detonadores do equilíbrio de sustentação do ser. Quarenta mil anos levamos para compreender que, fomos a busca de uma epígrafe perfeita para uma odisséia ainda por se escrever. Sem borrões. Não uma arquitetura exata e vertical, mas o horizonte perfeito da abundância em ecologia, sim, sob um profundo matriarcado. Lótus negra de minha juventude. Meus crimes pela Rua XV. Onde foi que nos perdemos? E quando foi que nos achamos? O grande segredo por trás da rosa. Botões que se desprendem do peito. As mãos vazias em meio à turbulência. A coragem juntando o coração cansado. Delicado sorriso prenunciado quietinho. Depois a interna afirmação: eu quero um outro mesmo que não se repita aquele: quero outro. A gradação de um perfume furtado e colhido por nenhum preço. o teu simples passar de florista sobre o quase cadáver de minha vida. É junho? Curitiba: tantas perdas por trás das endurecidas formas, dissimuladas máscaras: sempre, sempre esta nossa incapacidade em transgredir e se entregar ao desconhecido: ao mesmo tempo esta é nossa riqueza. Atento para o coração da China, nada servilizados pelo ópio, cachimbados milênios de história e o oriente? Digerimos indiferentes num pastel, compramos através de vasilhames plásticos baratos ou via moto-boy-sushi-sashimi confeccionados pelo garnse mestre oriental: 'Severino de Aracaju', depois a xícara de café, a letargia, uma primeira estrela que surge, o substrato extratificado alcalóide batizado... Sinto um frêmito nas narinas, penso na planta, no éter, no parto de adrenalina, cerrar dos dentes, o sono subvertido e o instinto falastrão: desordem. Agonia duplicada na noite. Envenenado o credo e entardecida a procissão. Por trás de algumas buscas não há encontro: há perdição. Causalidade aninhada onde os dias são curtos e as noites sombrias. Ao longe milhões de estrelas quedaram e o que vemos, é só um grito de socorro. Nenhuma novidade? Tão óbvio é o ressurgimento do amanhã, devido a infância desta teia cósmica, onde papagaios diminutos-luminosos, libertam-se pairando com a força do existir. Quero estar contigo onde os traçados celestes se cruzam. Não lembrar do corpo que apodrece nem das mãos que apedrejam. O espírito envelhece e é pela alma que realmente choramos: o fosso onde a psicanálise não chega, o passado ressurge e o futuro se extingue. Pronto. Desbloqueado o cartão. Meu irmão morreu prensado num Toyota. Minha irmã comprou um Kya. Deus devia fazer um recall. Um cogumelo gigante brotou no Japão. A profecia tinha dito: o dragão acorda no ano do tigre, o oriente se ergue, o pesadelo começa. Arrasto-me vagaroso e suado, deslizo para debaixo da cama. Séculos passam e não amanhece. Uma nova foice sobre nossas cabeças. A hegemonia da noite se ergueu, e de onde estou, vejo apenas seu perfil turvo. Para o pai do ornitorrinco, quando uma espécie se reproduz para além de sua capacidade de auto-provisão, ela escraviza e canibaliza outras. Sou descendente tupinambá, então, brota-me água na boca. Não me calo por dentro. Não durmo. Mergulho e disperso. Pressinto um enfloramento. Uma idéia fixa, um inverno oriundo de qualquer partida. A bruma baixa entre o namoro de geada e Sol Na copada da vegetação crescendo labaredas misteriosas. Em cio a natureza desvairada. O grito de tud o que é silvestre. àgua borbulhando no riacho. Desenhos rupestres. Cavernas desvendadas em meu coração. Espelho d'água límpido que há em mim. Réptil assado em volta do fogo. Camponês chorando a perda de um ervilhal. Se chover, quantas ervilhas amarelas se perderão? As mãos calejadas reconstruirão a vida. Não se apaga este ardume enquanto restar homem. Não há cura pro escuro quando apagada a candeia da alma. Enlouquecidamente o corpo fenece. Definha. Não há mais grãos nem peixes escalados. Os barcos ruídos havendo paralisia por sobre a Terra. Mas, eis que ressurge a primavera e com ela tudo o que é saudável renasce. Os pássaros retornam e o homem levanta cedo para semear o chão, esquecer as lástimas e esticar a espinha. As mãos eriçadas com volúpia no trabalho, amaciando o flanco das potrancas e sendo mais duras que as contingências. Transmutado o cangote dos rumos. Os dedos separando com habilidade os cabelos que ferem os olhos. Nunca rogaremos em honra à desgraça, faremos proveito do frescor da manhã e da luz do meio dia. Quebraremos as botijas, esfrangalharemos alfarrábios, empunharemos sprays, e com eles em muros, questionaremos a razoabilidade da vida. Será que vai chover? Você me lê? Eu sei seu nome? Não aguento mais pó. Meu coração acelera. Há anos eu não sonho. Quebrei os espelhos. Não uso tintura. Os fios caem brancos. Sou devoto de cada um. Não tenho medo do tempo. A casa é sagrada, a mulher delicada, o cão puro e os amigos fiéis. É vergonhoso por vezes sentir tamanha gratidão. A lida é dura. Ela vai acordar ainda de madrugada, irá me acalmar, por-me na cama e cobrir-me. Apagará o candeeiro, ciente de que nesta noite sonhará e, neste sonho, escreverá uma carta para deus mas no entanto, ainda não sabe o que dizer e nem por onde começar.
EnD
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