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Ciclope Enguiçado
(José Saramago - Epitáfio)
(opus n° 25)

I
Senão d’ouro, de que são feitas as palavras
que tremulam os lábios e te partem as mãos?
Dos bolsos vazios inundam dúvidas.
Nos versos mais duros a boca úmida.
A cabeça pende.
Idéias não secam e a mina com o seu rutilar de tolo se acalma.
As mãos partidas vêm da lida.
A boca trêmula da angústia.
E as palavras... Ah! as palavras...
Senão d’ouro são palavras;
E seu valor:
vale o quanto pesa cada ouvido;
ou
o quanto necessita cada coração silenciado
por simulacros
ou pelos fatos.
Pois vez em quando
é
de ouro o silêncio,
outras vezes
é obstáculo.
Então,
no terceiro olho vicejam e se escondem
as metáforas.
E em cada verso com seu rosário de palavras
há numa pausa que voa,
uma imagem que evapora,
e
um
fim
pra tudo
que
ecoa.

II
Depois...
Sim! Sim! Sim!
O big-bang, Planck, um Sol
um Galileu, um ensaio ante
a cegueira e...
...um novo grito... 


Renascimento ou enquanto Durar o Menino
P/ Renato Estefani, João Caçador
In Memoriam: (†) Augusto Estefani Jr.; Jair Estefani (†) ,
Antenor Estefani (†) e Alcidália Estefani

(...) Então como um coro, a paixão
chegou mais fundo. Algum interesse
maior estava em jogo, uma causa
maior pela qual ninguém jamais
levantou a espada ou anunciou em
trombetas. (...)
(Thomas De Quincey – em ‘Confissões
de um Comedor de Ópio’).


O sol formou um veio de ouro
Tão gracioso que o meu corpo dói
Acima o céu brilha num azul intenso
Convicto sorri por algum engano
O mundo cobre-se de flores
E parece até sorrir. Quero voar
Mas para onde? A que altura?
Se as coisas podem florescer
Por entre arames farpados
Por que não eu? Por que não eu?
Eu não morrerei!
(Poema de 1944, escrito por um anônimo portador de Hansen)


(...) “O menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.(...)”
(Fernando Pessoa – em “O guardador de Rebanhos”.)


I.
O que é um ano novo
senão um novo ano velho?
Desses que sempre se extinguem por si
em indelével curso
enquanto evaporamos com eles
certos de que os fogos que iluminam o
meio da noite (mera herança chinesa)
refletem somente a simplória distração.
Tudo engrenado
o relógio invisível com seu ritmo próprio
o andamento: e quando agimos
estamos grafando marcas que duram por
toda a vida
pois que os sentimentos têm imaginação
fértil
e a razão padece à ausência de um coração
próprio.
Eis que uma paixão antiga nos persegue
um cachorro louco acompanha-nos
nas mãos repousam delicadas fúrias
em meus olhos alguém dorme
em teu corpo um riacho
em nossa sede: todo o tempo.
II
afinal,
o que é um ano novo senão infindáveis meninos
seguindo velozmente em frente
tendo as costas infinitos velhinhos que percorrem
lentamente a direção contrária?
Tocam-se por uma minúscula parcela de segundo
e imbuídos do mesmo espírito
representam as duas faces da mais fina e delicada
sentença:
É certo que a vida resista e o amor perdure
enquanto em olhos humanos a caridade e
o amor
em profusão fecundem
até que toquemos com doçura as mãos
do menino.
Cegos a quaisquer evidências do tempo
que nele ou em nós se manifestem
pois no advento da última expiração
Sim!
No momento limítrofe da morte
são eles: os meninos
os pequenos e perenes mistérios que
brotam de nós mesmos.

III  (Canção Para Ninar Clarisse)
Quando te sentires só,
reage e brilha por mim.
No frio se faça calor
e na seca me transforme em rio.
Ou no lugar em que tão calma
vais dormir sem dor
onde teus olhos já cansados hão de refletir:
O Sol do amor que se compõe.
Sempre que eu olho pra ti,
tem um novo cometa que cai.
Paisagem além do quintal,
na tarde perfeita que diz:
Que da varanda
eu vejo um sol vermelho
e súbito,
sinto em meu peito
o impulso pronto de gritar:
“_ Sempre haverá o amanhecer!
e mesmo se lá eu não estiver,
quando te sentires só,
reage e brilha
por
mim
Sim!”

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