No Visions of Cody
p/ Jack London, Jack Kerouac, Allen Ginsberg,
William Burroughs, Hal Chase, Neal Cassidy,
Timothy Leary, Ken Kesey, Thomas De Quincey e etc.
(…) “desaparecer não é para qualquer um,
só você, misto de mistério e dúvida pode
estar em lugar nenhum e
ainda me tocar por música.”
(Marcos Prado – em ‘Begônias Silvestres’)
I
Feito em pedaços variados, ombros curvados e passos amolecidos,
sob a sombra de um puído chapéu, andar isolado, enfebrecido e
amargamente hipnotizado pela noite. Nos olhos fundos. Na dor da
alma: a tez marcada, a sola gasta, os pés molhados e o pisar em
pedras carecendo de um arquitetado rumo.
Quem mora dentro da tempestade? O cheiro de cedros e eucaliptos?
Raios colossais já não despencam em matas virgens. À noite
emparedada no horizonte ruge. É sempre bom caminhar em direção
à chuva. E dentro de alguém que não esteja louco: há muita conversa.
Por vezes ventos dentro da gente. Não é mister precisar pra onde
levam, mas é sempre mais atrativo ir de encontro ao oculto ninho, ponto
onde eclodem os ventos. Ainda não há calor. Mas, um bom homem deveria
saber escolher: não o dia que se derrete com o tempo, mas a luz trigal
que jamais se põe: o atalho surgido nos sonhos.
II
Não importava. Podia vislumbrar em segundos toda a sua trajetória.
Sabia quem era, onde estava e a cada novo passo na pedregosa estrada,
não prescindia precisar o próximo. Não conhecia ninguém que vivesse
de vender sonhos. Percebia o acordado como uma pequena parte do
processo. Nunca se está velho demais pra perceber. Pra suportar.
Quanta nuvem escura. Uma só estrelinha no céu. O breu distinguindo visagens
as pressas feito vândalos zunidos. Moitas, arbustos e árvores envergadas.
O primeiro batismo em prodigiosa tromba d’água: resoluto a procura de
abrigo: perdia-se esmorecido e dodecafônicos, queria encontrar a harmonia,
devia esperar pelo dia, mas os olhos bailavam e os dentes rangiam e todos
os sentidos se misturavam embebidos em mágico acordo.
Disparado o coração desavisado. Colossal despencando
em flashes, Gáia despenteada com uma Polaroid atiça enormes
dragões prateados: Gigantes-deuses-clarões em semi-mínimas
edições diurnas. Sabe do frágil de si, e não passa da imagem de um
homem perdido. Trôpego e reto em sua própria estrada. Uma
chuva convulsa dentro de si alarga: talvez deus tenha desistido
dos homens, pois de tanto clamarem, milagres dançaram em série
e os olhos se cegaram para o instante: ficou a reluzir
o efêmero e puseram a feder o sagrado.
Mas chega o dia em que uma choupana, uma rede presa no
alpendre e uma refeição quente, passam a ser tudo o que
um homem consegue idealizar. E se houver alguém para balançar
a rede e o rosto? Caricia? Carinho é relíquia pura. É felicidade
plena ou o vertiginoso milagre da fortuna que cabe exato entre
as mãos.
Uma vez dissera-lhe a sortista: conjunção de Marte em Plutão.
Nunca angariou riquezas espúrias, mas amor houve sete. Tinha uma
memória poderosa e essa era sua riqueza. Sentado defronte ao norte,
com a chuva pelas costas, lembra das cidades, mulheres, filhos, afilhados...
Lembra o nome de todos. Orgulha-se. Escolhera cada um deles. Eram
sua pequena constelação particular. ‘O infinito interno’: repetia para si.
Tinha discursos demais por dentro, alguns se encontrando, outros se
perdendo. Inconstância gerando a impermanência do dinheiro. Queria
mesmo era dominar os sonhos. E tentando foi naufragando, lhe escapando
sete amores e o tempo diluindo as convicções. A indolência vicia. Passei
a admirar nuvens e estrelas com inusitado interesse. Percebi que o destino
punha profecias nelas. Encantado, por vezes, não encontrava as palavras
certas para traduzir-se. Procurou em livros diversos, enciclopédias e
dicionários mas intuía a invalidade de tais atos. Só em sonhos os grandes
momentos se repetem. Então saiu por aí dormindo, mendigando e
compreendendo o porquê um homem se fixa e assim, vê os signos
se repetindo por toda a vida. Tinha uma chama ardendo por dentro. Sentiu
uma fisgada e esmagou um escorpião. Puxou a aba do chapéu protegendo-se
dos respingos. Foi se entregando a languidez e vislumbra sutilmente uma
luzinha ao longe. E pra lá da sonolência: o desejo caminha em suave cheiro.
Sopa de feijão com alho porro. Água na boca. Um velho colchão. Uma
camponesa solitária. Mãos delicadas num rosto barbudo. Sussurro de amor
no ouvido é a brisa mais bonita do mundo.
Precisa concentrar-se. Não consegue. Ressona e transubstanciando códigos,
surge como um mendigo cercado por sete cães de compridas orelhas.
Sentado na derradeira encruzilhada, ouvindo o vento, inalando o aroma das
capoeiras molhadas. Os cães se coçam. A mente pende. O coração balança.
O homem levanta. Toma um rumo. O homem envolto em tempestade some.
Eu acordo. Sem nome. Sem história e definitivamente sem meus amores.
Enquanto isso, na réstia que lentamente se apaga, gritam vorazes sete nomes
numa manhã em que me desconheço.
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