LAURA RIEDING |
SILVIA PLATH |
97. Sobre Corvos e Ninhos
(milharais despedaçados)
“Cansados da eterna luta por abrir
um caminho pela matéria bruta,
escolhemos outra vereda e nos
lançamos apressados aos braços
do infinito. Mergulhados em nós
mesmos, criamos um mundo novo”.
(Henrik Steffens – Sobre o Romantismo)
II
Sobre o fio tenso da confusão, a pequena ave acorda atônita. Sons de escárnio ruidosos chegam às trevas. E o corvinho estremece sob a perda de monolíticos blocos. Explosões. Olhos esburacados. Peixes inexistentes numa toca de voadores medonhos numa insalubre rapina desprovida de insônia e vascularização. Um sentimento desértico instaurado no peito. Violetas amaldiçoando garras rugosas. Asas em profundo rasante na esquina. No âmago, frágeis corredores da ravina: o populacho sorrindo. Filhos do escárnio. O medo. O roedor estrangeiro sufoca sob o peso da batina. Estaria deus paramentado? Vestes refletindo o brilho de estrelas roubadas do firmamento? Parabólica estilhaçada. Umidade dividida. Há cidades frias e chuvosas onde vicejam silenciosas e intermitentes redes de swing. Porquinhas traições voluptuosas. Pedofilias mesquinhas: menininhas ginasiais em passeios extracurriculares. Reconhecidos comerciantes caindo no conto do pingüim. Pequenos traficantes de ‘pedra’ com seus cachimbos, roupas de hip-hop (quinhentos dólares percapíta em bonés e tênis), gatinhas de onze, doze e treze anos (abaixo disso: ‘fedem mijo’; acima: ‘ta rodada’), cigarros para fazer uso das cinzas e garrafinhas d’água para as pequenas façam bochechos entre uma cachimbada e uma mamada em todos os garotos. Como sempre: uniformes e mochilas escolares. Nos cadernos o conteúdo magro e nas mentes vazias o instinto febril.
Preso e estático em meu zodíaco figuram corvos cujas garras estão alinhavadas no passado, hímens de meninas, corações de meninos. Seu esvoaçar não transcende lágrimas e os terrenos sobre os quais pairam derrubando grãos, são estéreis. O progresso é um espantalho não erigido. Os sorrisos distantes estão disformes pressionados contra a cúpula. A visão ávida. A fome devoradora. O símbolo fálico murcho e a realidade existencial, sem possibilidade alguma de penetração.
Contrapondo o humano-sujo: Percorrendo com os olhos o dorso agourento, pasmo com o sem horizontes: inebrio-me com o verdejante paredão ao Sol, azulado quando em sombra, atravessando óculos apropriados para insolação, lentes que refletem uma via dupla e asfáltica, camada fina que conduz aos ombros, o cume de onde montanhistas vislumbram ciclos hidrológicos vibrantes, águas nas quais a luz percorre o espaço livre, entre nuvens, os loucos se distraem, a visão se acomoda, e não se nota mais a distinção de um cargueiro que ao longe corta o remanso. E mesmo agora, ninguém percebe o frêmito da brisa frente à lembrança do corte sibilante de velas que passam a todos a certeza, de que em algum ponto longínquo, mar terra e céu se abraçam cúmplices e sem culpa. Civilizações: As reações moleculares lascivas determinam teus vivos e uivos. Tua envergadura é de um quarto de milhão. E miras o planalto a oitocentos e noventa e sete metros de altura, tendo as majestosas águas do Atlântico sob teus pés.
III
“E agora / espumo com o trigo,
um brilho de mares / o grito da
criança / escorre pelo muro.
E eu / sou a flecha” (...)
(Silvia Plath – em ‘Ariel’)
a. Quando justamos, passando dez longos anos sem nos falarmos, estranhei os dia em cada mínimo transladar. A barba cresceu feito mato em estação chuvosa. Estranhamente mergulhado em inconsciência, eu vegetava, rejeitando Mendel, como se as ervilhas minhas não fossem. Cortava-me uma vez por semana, depois três... Ouvia ‘The Final Cut’ até que os deslizes me sulcassem a face, imprimindo pequenas e indeléveis cicatrizes, que por certo me acompanharão e partirão comigo. Como analgésico: ‘Pannag’ ou ‘Kunnab’ igual a ‘Gaya’. Eu já nasci ecológico.
b. Depois das penugens, o homem foi crescendo sem sufocar o menino. Poetou Teofrasto, Paracelso. Abandonou o caminho do ouro. Fazendo do peito uma campina, em que o próprio coração feito pandorga, pulsa ondulante sempre disposto a voar. Então de sudeste sopra fria brisa. O tempo vira. As nuvens surgem enegrecidas. E o cordão com cerol arrebenta. Termina a ‘Divina Comédia’; ‘Nasce à tragédia’ O homem é novamente escravo. Nada ‘renascido’ou ‘iluminado’. A arte hedonista e cosmogônica conserva-se presa ao tecnicismo. A beleza estrangulada: arrebenta a linha e a seda está livre.
c. Voltei aos braços de minha mãe, nunca mais ao seu útero. Vi que o menino estancou, construiu um carrinho, adquiriu um jumento imaginário e passou a juntar, separar e reciclar todas as dores, como se fossem brinquedos espalhados. Com apuro estilístico. Olhou-se no espelho. Pintura caótica, sutil, indígena nada obsceno. Desnudo mas disposto à guerra, acariciou primeiro a genitália depois a própria face e amou cada marca ali disposta por prazer.
d. Constatando o que era, o velho decidiu fielmente trancar-se onde pudesse despedaçar o seu fadário saturado: o lego, arrancar do mundo as rodas, da vida as asas e das fábricas sombrias cada uma das chaminés. Vendo sua vida em infinitos pedaços, lembrando do menino que oprimia os homens com simples perguntas e profundos sentimentos: Respondeu aos enigmas. Sem axiomas nem substantivos ou adjetivos. Somente onomatopéias. Sim. Mono, di. e trissilábicas. Com elas, o mundo tornou-se bidimensional e suportável. Assim, pode encarar o horizonte por mais tempo. Desmascaradas foram as verdades mas sem o letal exercício da mentira: Com a pele de tripa de animal as mães mais belas são aproveitáveis há tempos. Mas é somente para isso que o homem serve? Os pais devem ser mortos. O protagonista cegado e o gozo mais supremo esquecido. Mas não é do tempo que advém o conhecimento? Não está no ancião a pequena impressão formadora da equação-prática a qual denominamos experiência? Tratar com carinho o jardim, e colher com suavidade o irrecuperável perfume destas flores que segundo a segundo se perdem. Para Édipo sem trono: uma rúpia, um sorriso ou um falo decepado. Mais que flechas, palavras são boomerangs.
e. Parto: vestígios fluidos do infinito. Delírios em frêmito. Filigrana de imagens num mosaico em enredo. Lâmpada estranha. Lampejo que estraga. Cicuta na entranha, e a noite, carvão discorre traços fortes. Fileira de risos e rasgos. Idéias que partem de partos. Lisura que vaga no lume. Rabiscos em sentidos tortos. Insetos trancados num vidro. Turvo nasce o estorvo. No sonho o poeta treme. Na tarde sua mente dorme. Mas é na noite que o passado volta. A lembrança extrema do menino. As luzinhas somem e os bichinhos morrem. Desilusão e tombo. O que é extremo e irremediável. Campos estéreis sob trevas. Tempo infecundo e sem pirilampos. Canto onde a ilusão apodrece diamante. Carvão que em palavras reescreve os céus. Sopra nuvens sobre sibilantes lírios. Sobre um império bemol. Em ti, este fado que sorvo, esta sede que vivi. Recônditos cantos sentimentais. Universo ladeado por nada. Por distancias impossíveis. Limiar de volições limitadas. Construtoras de muralhas. Inutilidades criando asas. Imponderabilidade cálida da angústia, acirrando credos, crispando prados e estrelas. Batizando em suor o fogo e o fôlego. Obrigando o escriba a escrever em prol do contento do seu abrasado coração de centauro. Volatilidade derradeira. Pessimismo estampado em explosões solares. Atômicos clarões no céu. Flor atônita desnudada. Flashs enclausurando deus. Cisne engatilhando o caos. Castas predestinadas a evoluir cães. Seis ou sete meninos sãos. Treze mentiras ante os olhos. Azar é doença com cura. Entropia: claridade escondida por trás das montanhas: teu corpo, onde o céu pousa em teus olhos e o Sol nasce em tuas mãos. O meu corpo está cansado. Meu espírito desgastado nesta Era. Você tão feliz. Alguns sorrisos suaves entre outros escandalosos. A possibilidade de que uma possível ausência tua me provoque dor dilacerante, pois descobri, que os meus dias se escondem onde teu corpo repousa e meus olhos e pensamentos fenecem.
IV.
(Alguns Segredos sobre as células do Coração do Corvo)
a.
O odor das vísceras dos peixes mortos nos mercado dos tempos, ainda não nos atinge o olfato. Há temor sucumbindo no ar. Um mero pastor de carneiros. Nego em mim a presença dos caracteres que me transformam num minúsculo reflexo da ave, entretanto, quando vislumbrei o Sol pela primeira vez, foi nas pupilas dilatadas desta mancha dourada, que entrevi os primeiros contornos difusos de minha alma. Em que direção fica minha casa pequeno corvo? Serei um espantalho? Há quanto tempo rompeu-se a concha hermética em que quieto e harmônico eu repousava? Dentro de mim, eu moro? Contemplo a efemeridade de um insano postergar? E meu adocicado cordão umbilical, ressequido? Indagações rasgando a tranqüilidade dos que ressonam e sonham com sombras distantes, memórias distintas e injuriosas, extraídas do fel da cortesia com o fetiche. O objeto acima do ser. Sem ação: A vida enquanto um iceberg: a morte despontando por sobre as águas. Submerso: o mistério. A teoria do mundo gelado. Quatro luas, quatro eras, quatro quedas. De vermes a gigantes. E o que somos? Um antigo seqüestro no Ceilão. Olhinhos puxados no ventre de pássaros metálicos. Ouço um canto esquimó na Groenlândia e sei, que estes mesmos deuses visitam a Toca-de-Peixes, e é a ousadia que resiste em fluxo nas profundas venosas que atravessam o agourento pássaro: Declaramos guerra ao homem médio! ‘Mons fils, as-tu du coeur?’ Em meio à técnica samadhi, sentimos as pontas das asas do corvo roçar levemente a via - láctea.
b.
O homem moderno tornou-se uma criança perdida e solitária. Buscando na companhia alheia e na falação desatada um ponto de apoio, um instante de não perguntar-se, não saber-se e ignorar o real conteúdo dos sonhos enraizados. Mantido através de movimento e fúria, a manutenção e a presença contínua do material genético. Debatemo-nos para sermos premiados com a visão do último lampejo solar. Depois, escuridão e silêncio. O resto é sofisma para adoradores de deuses. A velha estrada para Damasco: a origem de todos os fracos. O Hubble no espaço. As unhas de Jeová pintadas. Um tijolo cósmico de seis furos viajando em direção à Terra. Quatro momentos de quadrangular eclipse e dois de seis dourados fachos. Sim! O cheiro é de morte. Não! Não há trono algum nem um ancião de dias viajando no vindouro artefato. Quanto a Moisés, Enoque e Elias: morreram asfixiados na estratosfera há milênios.
V. (Alguns Segredos Sobre as Moléculas que Formam
as Células do Coração do Corvo).
“Um grito final sucede a um último grito,
a finalidade da finalidade é o toque de
perfeição da loucura. Ruína desabrocha de
ruína. Os que ficam engendram um universo
de fragmento. Horizontes dispersam o
inteligível. E novamente é ontem.”
(Laura Riding – em ‘Ó Vocábulos do Amor’)
Dos obeliscos dos quais conservo memorizadas as delicadezas, és o vaso mais frágil e incompreensível. Fiz-me catedral a receber-te. Forte e acolhedora. Instante onde estás intacta e em que posso sentir-me admirado em tuas gemas. Presa e predador de mim mesmo. Minha sombra. Papel lanhado que ignora espelhos. Destruído o delineamento da própria face. A dor não passa. E nada atenua o amanhecer definitivo de minha consciência. Quando pequeno, curioso, ouvindo de longe as festas de teus padroeiros, senti em tuas liturgias e rituais patrióticos, toda a tua sórdida pequenez. Destruís-te o coreto e espalhas-te os músicos. Apagas-te o cinema e destituis-te a estação. O velho trem azul estancou a parada. A veia do troço foi atropelada. A calça de tergal azul abolida. Sete meninos afogados no tanque do San Remo num único ano. Dez anos depois: uma banda de rock num show vazio. Facção Central para trinta cabeças. Ingressos gratuitamente distribuídos e os amigos distantes. Fracassos & Fracassos, Cia. Anônima. O instinto recomendando o uso do tempo em extensas e pouco plenas putarias. Entre o que há de melhor no ventre do corvo: vermes e porcos movidos à criptonita: (viciadinhos burgueses de Cabral), pequeno-mesquinhos, mentirosos e ladrões. Obrigaram a transmutação do vernáculo: quem ergue casas e edifícios, não quer mais ser chamado de pedreiro, mas sim por construtores. Pedra não é mais cascalho, seixo e etc. Mas sim: pequeno pedaço de violência e miséria. Em suas maiores partes uniformes, indistintas, enxertadas. São as peças que substanciam o mascarado e vil milharal. Um único espantalho por lavoura. Pouca a salvação. No mais, o pulo sobre a carniça dos iletrados funcionais: estes são indiferentes à salvação do mundo, aos pedreiros, pois anseiam por um inimaginável paraíso vindouro. Usam de certo sarcasmo burro temperado com uma ironia tosca e insidiosa. Cada homem comum e suas mirradas espigas. Balouçando ao vento as hastes. Seus filhos pedreiros desejando sólida-mirrada-pasta-base-amarela-ouro somente para quem vende e reprime. Sim! Os corvos esperam o fubá. O sol avermelhado e o céu sendo rapidamente enegrecido por uma matança. Retumbam explosões. A terra treme. Desaparecidos os homens, as sementes de trigo, a erva doce e os galhos de anis. Um último ‘Araki’: um brinde. Um sorriso gracioso nos olhos de um bailarino tetraplégico cuja alma ainda possui as pernas, melhor que isso, seu espírito incansável dança. Sapatilhas que mergulham no tempo. Anestésicos: Lembranças do peiote, do Soma e do delicioso elemicin: estrutura idêntica à mescalina presente na casca da noz-moscada. O chá de psylocibe e uma corrida fantástica e esquisita por sobre os campos. Planta criptogâmica possuidora de órgãos sexuais. Mãe de deuses antigos: fervura que bebemos lentamente até perdermos o palato. Em minutos perfuramos cicatrizes, destroçamos cercas e paredes, vislumbramos numa única molécula o ritual grandioso e precioso do pulsar. Ressuscitamos o círculo da Sibéria. Um tempo antes dos deuses. Numa terra de homens gigantes, gestuais e sem fala, onde a sensação mais antiga reside no âmago de um guarda-chuva de formigas. A realidade pós-moderna é mais mitômana que as glaciais eras lendárias.
VI. (A Alma do Corvo)
“Sonhei que você sonhava comigo.
Ou foi o contrário? Seja como for,
pouco importa: não me desperte,
por favor, não te desperto.”
(Caio Fernando Abreu em ‘Por Trás
da Vidraça’ – O Estado de São Paulo,
09/12/87).
a.
Transcorro tuas ruas frias de junho, pássaro-noite. E das tardes, lembro das notas de falecimento oriundas dos enormes alto-falantes de tua catedral. Na voz lúgubre do pároco, ganhava ares pré-apocalípticos. Próxima, a Escola de alfabetização Manoel Eufrásio, a anunciação continha nestes momentos em seu bojo uma tensão muda e expressiva, ficando tão rasa em cada pequena face que, parecia poder durar, mantendo a música natural das coisas suspensas por toda uma eternidade e, que se desfazia somente, quando tinha ocaso o enunciado. Então, se tornava claro que não morrera o pai ou a mãe de nenhum dos alunos presentes e a tranqüilidade extravasava ruidosa. É óbvio que por vezes, um aluno ou outro, disparava rumo à porta vítima da crueldade noticiosa.
Então a paisagem foi mudando em número de figurantes. Os velhos casarões sumiram. O conjunto de fábricas da Antônio Meirelles Sobrinho fechou. Os riachos não possibilitam banho. Os jovens agora se alucinam em busca do que não sabem que procuram. As rosas que sobrevivem à fome do corvo terminam por murchar. Os cravos recebem como prêmio por sua solidez: uma cidade dormitório: por sua luta por sobrevivência: sempre nas mãos violentas de clãs devoradores. Ceifadores famintos em colheitas doentiamente prematuras. Arquitetos do desastre. Carniceiros do pecúlio público. Pedófilos contumazes de nossas crianças. Apreciadores da mentira. Divulgadores de um céu que nunca poderão conquistar. Não sonham e em seus instantes de escuridão, freqüentemente abundam pesadelos. Eis: os religiosos, os enrustidos em farda e os políticos.
b.
Teus sábados são movimentados pelo comércio. Contrapondo os domingos lerdos e vazios. De um passado não tão remoto, invadem charretes, carroças e o velho ônibus de porta à manivela. O armazém de secos e molhados: chapéus, arreios, selas, pelegos, lampiões, etc. E o cheiro inconfundível de salames e fumo. Queijos. Cachaças. Balança de contrapeso. Moringas. Assoalho rangendo e o tempo computado de outra maneira.
Mas nada muda ou diferencia-se por trás das fingidas máscaras. O andamento é outro. E milho, é uma coisa que evolui muito lentamente. O homem médio paira na província e precisa ser morto: Eis o clarão. Não importa o passado. O presente resume-se a um único ponto. O futuro, alguma coisa no passo entre o levantamento e o pouso do pé. Em meio ao canto para a terra natal, o milharal ergue os olhos tristes e já não premune destino algum. Tem início o mergulho dentro de cada grão. Entre velhas e indigestas verdades. Suicidas. Loucos. Minorias. Os que atravessam as torpes cortinas com olhos cálidos. Luminosos. Assimilando tudo. Verificando-se mestres? A maioria transpondo a vida cabisbaixos. Sonâmbulos. Perseguindo em dias quentes à sombra de pássaros em fuga, degustando olhos de corvos distraídos, sufocando aqueles que ousam palestrar além das nuvens.
VII. (Do Reencontro)
No momento, ausência infinitamente sentida. O convite. O silêncio. Os braços abertos e o instante segurando os ponteiros da memória. No intervalo, tudo estático. Um Cenário: um abraço destruído. O azul desvanecido. Tradição é simetria? Sanidade é equilíbrio? No estreito espaço dos sonhos: a ausência. O sopro da noite povoando a alma insone, temerosa e não sentindo o espírito, não consegue deslanchar amor através de palavras, de sonhos, música perdida, o primeiro disco do ‘James Gang’ num canto do armário pairando no tempo. As folhas reinventando solos castos. O esquecimento jazendo sombrio e constante. A memória: velha tola. O monstruoso silêncio de um povo abandonado ao intermezzo, ignorante, não se compreendendo e não acontecendo. Ficando no espaço perdido a ausência. Tema deslembrado: reiniciando. Tocando no reencontro. Na extinção da chaga: a supressão da ferida. No tramitar de cada milímetro: o arredio, o destempero. O vivo implora: _ ‘Que a morte seja um anjo cego!’ Então o açoite varre noites e dias, e quem não acorda se vê correndo atrás do atroz despertar. Transmutar é isento de angústias e as astúcias do sem volta já não causam medo. As folhas do calendário cósmico amarelam. Há desespero existencial. Há poemas que não passam de fotografias do medo. É vergonhoso vistoriar valores? É desejoso venerar venenos! Tão inútil reviver vestígios. O caos deixado pelo fútil. Os sonhos tão necessários para preencher vazios. Atrações vindouras na madrugada: um crepúsculo amargurado. A maturidade. Os amores efêmeros. Os centros. Os subúrbios e o sócio coração pulsando. É madrugada e em silêncio harmonioso a cidade nos pertence. Estelares irritantes. Em tuas saliências sombrias. Oculto enquanto dormias: frágil feito criança: tu me pertences. Kamikaze decidido em silêncio lúcido, como um vento frio num inverno escuro, onde o salutar do tempo reside nas tiras das sandálias de um mendigo, que em fotografias pós-modernas, foi comerciado como um velho cego oriental. As redes jogadas no mar e as sagradas tábuas apodrecendo. O martelo do mais famoso carpinteiro enferrujou. Seu séqüito foi vencido pelos séculos e se extinguiu.
Não. Três vezes não Zaratustra. É só um sonho. Eu acordo atordoado e ruidoso: na província amanhece. Tem um cara, um estranho rapaz louco: foi recentemente por variados concidadãos, ameaçado por machetes, pedaços de pau e uma foice. Outro dia, invadiu a casa de um vizinho e passou a transpor e empilhar cerca de três mil tijolos um a um a uma distância insignificante; quando interpelado e argüido quanto ao ato desnecessário e hercúleo, disse: “pra que o mundo gire, simples, simples, apenas pra que o ‘nós tudo’ o que nos céus habita: gire.” Soube outro dia, após tê-lo visto medindo a palmos o descomunal muro da casa do bombeiro, que este desarranjo se oriunda da seguinte equação: rapazote de dezessete engravida safadinha de quatorze, ambos vindos de famílias evangélicas embrutecidas; um primeiro emprego; o primeiro desemprego; a primeira sarjeta em pura exacerbação etílica; as drogas anti-odontológicas; os inalantes e deus deus deus deus deus deus deus até por que ele iria morrer em brevidade, cirrótico e solitário. Mas. Tem sempre o mas. É que o mais profundo no animal reage diante da inegável sombra; Em contraponto vestiu o terninho de brechó, entregou-se ao púlpito, às orações fervorosas e aos gritos litúrgicos; a eterna interpretação capenga e esquizofrênica dos evangelhos: ‘pai de louvor pai de mistério’. Amém. Foi visto outro dia no campo, onze da manhã, o mais puro céu de brigadeiro, nenhum algodão celeste. Solitário. Conspirando deitado, braços e pernas ocasionalmente leste a oeste feito o homem vitruviano, lendo o apocalipse em trechos intercalados por fúria silenciosa e profunda meditação: passou lá onze dias. Nunca mais foi o mesmo. Saiu a revolucionar a ordem das coisas: desagregar por origem. Sim. No caos encontrar a infinda ordem. Soube agora pouco, que ao tentar reagrupar os vagões de um trem em movimento, terminou dividido ao meio. O que há de reencontro nisto? Simples, foi em tuas mãos que vi a foice sobre a cabeça do louco. Então, eis aqui como o prometido: imortalizado.
VIII. (Pós Expressionismo)
(...) “Não nasci para brincar com a figura,
enfeitar o mundo, (...) Eu pinto por que
a vida dói.”
(Iberê Camargo – em declarações à Imprensa).
(...) “Então, até que a própria morte chegue,
nenhuma calamidade deve ser temida.”
( Sun Tzu – em ‘A arte da Guerra’).
Nestes dias lentos e indefesos, algo propenso ao solitário. Ávidos, nossos sonhos em passeios turvos refletem a música que começa na alma. Na mata brejeira beirando o riacho. Na grande Praça em Lima, em um vinte e três de janeiro de mil seiscentos e trinta e nove, nossos irmãos da casa Pilatos e da Plaza San Marcelo. Grãos mestres maçônicos condenados aos flagelos e à morte na fogueira por ordem da nada santa inquisição. Penitencia pai! Penitencia! Atrocidades contra os da Rua dos Milagres. Fernando IV puerco! Exorcitio te. Juan Quevedo puerco! Exorcitio te. Sérvan de Cerezuela puerco! Exorcitio te. Onze humanos pururucando sob as narinas copiosas de milhares de doentias testemunhas aguardando o odor de carne assada doce e rósea, quando por imprecação natura, um repentino furacão varreu a capital do Peru. Muita água e ventos aplacando o monturo de inocentes cinzas. É assim que sabemos que nada ecoa do alto dos céus. Por isso a injustiça se perpetua. Harmonia há num Opus de Chopin. Nunca entre colônias de animais. A todos os mortos da inquisição o meu estandarte. A minha loquacidade. Meu manicômio-asilo espiritual. O esgoto das verdades pré-escritas. Proscritas: nas meditações dos que amam longe das sombras. Que descendem da luz. Iluminismo que não morre. Voltamos às costas ao calvário. Argumentamos o sepulcro aberto e vilipendiado. Do outro lado do mundo, doze vagabundos desnorteados feito um Chupim ferido, pássaro quebrado num galho verdejante, o campo florido, violetas-setembro, alecrins-abril, um deus que não levantou, não mais voltou à Cafarnaum nem jamais foi um menino sorrindo selvagem através de campinas douradas. Ainda não empilha tijolos. Nem arde em chamas. Está sonolento enquanto vê um gordo camelo branco enviesando no céu. De dromedário para rato. Uma lebre enfebrecida. Um apito após o morro. Um negro forro. Um entardecer de horizonte sujo. A gelidez cinzenta da primeira estrela. Desnudado o menino corre. Não é deus. É Vila Macedo. Em seus pés: o inverno tem pudor, os sentidos têm vez e a tez tem do barro a cor. Um alegro rumo ao lar, à vida e à eternidade. Rodopiando sobre os calcanhares: tudo calado. Todo menino sabe que no peito cabe, o mundo. E no fundo, nunca tememos a loucura, nem abandonamos a procura dos que lembram, perscrutam e laboram formas profundas de manter estável o tudo, não temendo nem se envergonhando de ver no musgo, no vírus ou em si: deus.
Fico com a nítida visão de uma pós-impressão falhada. Uma antropofagia fajuta. E a disseminação irrestrita de quaisquer palavras melodiosas e figurações difusas como sendo profundidade duradoura. Bestialidade. A impressão é anterior à fala e posterior a forma. Expressão é movimento puro. O verbo manifestando-se pelo corpo em perfeita fusão com o cosmos: um romance onde tudo coubesse; uma Prosa sentencial; O conto da síntese exata; um poema arrebatador; a crônica mais genuína ou o verso mínimo perfeito. A expressão mais completa de uma impressão profunda. A equação fiel entre o que é percebido e a tradução. A escolha das palavras. O dito e a repercussão. O caminho e o destino do raio. Uma ave que cruzou os céus, mas não posou para outros que não Dante, Joyce, Borges ou Proust. Uma só lágrima não apaga o fogo. Em Hemingway: O frêmito. Em Saramago: o balbuciar. Jardins e pontes. Em Mishima: O instante presente: A vaga impressão de passagem. Um perfume. Em Neruda: O som de passos. Um hálito idealizado na totalidade da brisa. Leveza que destrói quadros. Vestimentas rasgadas. Labaredas. Alma remendada e espírito altaneiro. Pessoa: Zomba. Ri e não se curva ante as memórias ou dificuldades. Ignora os traçados e as matizes. Ojeriza à injustiça. Minha mente ao extremo acalorada. Minha biblioteca arde. Todos os volumes em chama. Onde está o meu cânone? ‘Amnésia in litteris’. As luzes do museu se apagam. Uma truta salta de uma tela cujo autor desconheço. Desesperada se debate, debate e debate até pousar nas águas tranqüilas de um sanitário. Entorpecida por cloreto de amônio, está tranqüila, enxerga o róseo, sente o adocicado cheiro, banha-se em chuva dourada e em êxtase atenta ao ‘clic’ da válvula e se entrega à brutal enxurrada. Não vai. Torna-se a principal atração da temporada e o funcionário ‘leal’, asseado e sorridente que aciona a válvula para que escamoso seja oxigenado, é considerado pela crítica especializada como sendo ‘parte essencial da obra além de representar uma forte corrente de movimentos ecológicos de vanguarda’. O que? Verniculente pra leguminosa? Garrafa de água sobre disjuntor de luz?
À noite, durante algumas caminhadas pelo distúrbio do sono, capto o reflexo de uma tonalidade densa, liberto o resto dos quereres e vislumbro no céu as estampas coloridas de papagaios atlânticos. A barba crescendo no rosto dos que foram meninos. A desconfiança dos animais jovens. O gozo do aprimoramento dos instintos, os estímulos, as buscas e nenhuma profilaxia para a inquietação. A mente percorrendo o cânion das lembranças onde encontra o tempo sobre livros velhos, antigas promessas inertes aos augúrios de devastação. Zunidos de celestes carruagens, enormes, fálicas, lisas, apetitosas, motorizadas, ruidosas cortando a noite, o cheiro de eucalipto, loção pós-barba Bozzano e o íntimo desertificando o que foi armazenado de forma ilusória e tensa. Tudo mofando no ninho. Um profundo inverno seco. Todos querem um paraíso. Aspiram eternidade. Mas poucos transpiram aprendizado. Nenhuma só gota cai gratuita dos céus. Fogueira alguma se fará no perímetro do corvo. Nenhum furacão te atingirá querida terra sulina. Nem jamais queimarão em tuas praças os dulcíssimos corpos de meus irmãos inocentes.
IX. Entropia: perda crescente de energia por um sistema ou elemento isolado que, não tendo outras fontes de absorção ou troca de força, tendem a ruir e desaparecer espontaneamente. Todos no corvo são entropias puras. Menos o espantalho. Desperto. Surpreendente. A sanha devoradora de todos os ideais ressurge indestrutível. Chamamos em sonhos. Mas onde estão nossos anseios amistosos? O eixo cartesiano se distingue. Seguindo a lógica em meio à ‘singularidade’, o espelho lunar lentamente se aproxima de Gaya. As águas se agitam e saltam erupções a olhos vistos. Pandemia de anões pressionados pelo aumento da gravidade. Diminuta estatura. Proporcionalidade estrutural diluída. Assoberbado o tacanho. Mas o que querem os anões? A subsistente felicidade? Não! Mil vezes não! Desejam e perseguem somente o poder. Ínfimo. Médio. Grande. Não importa a corrida irrefletida de um dissimulado comando. Cada nação com suas carnes, ossos e músculos. A epiderme enquanto fronteira e o prazer como busca. O instinto: eis a naturalidade corpórea gritante. Os gigantes de outrora, por que viam os eventos de cima, optavam pelo além-homem para o além-muro e o além-deus. Os anões são os agentes cirróticos degeneradores do corço. Cada pequena cidade é uma província mesquinha. Cada grande metrópole, uma matança inteira. Piolhos dispersos em negras penugens. Em pleno vôo em meio aos pruridos do corvo, o comichar da ave, inúmeros despencando. Aos gritos: o prato noturno estilhaçado. A quarta lua sobre a Terra. Rupturas se abrem. Erupções enfebrecem o piso. Água e fogo se encontram. Suplantada a era dos homens. Nenhum ser ereto. Iniciado o tempo das amebas, fungos, vírus, musgos, bactérias e etc. O tempo órfão de contagem. O Sol insistente nos atrai: é terminal o selo. Avança dos estilhaços uma obscura e inconquistável era do gelo. Aproximação. Um ponto negro no Hélio. A derradeira gota azul evapora. Há rangido de granito e lava. As várias camadas se rompem. Entranhas à mostra. O sólido some e o mundo parte no exato instante que todos os deuses estão dormindo.
X. Tuas paisagens, mesmo as ruins, repousam monumentais em molduras áureas. Ascendente. Castigante a forma como o apodrecimento de teus porões vocifera tragédias sobre nossas narinas. Desenterrando mortos de hálito mofado. Prosperando sob a fala a morte como busca niilista da restauração: a redenção, a salvação, o paraíso... A putrefação. Eis o terror! A vida desmistificada. A única forma de redimir a cosmogonia é o fim do homem. A extinção da criação e recriação das possibilidades sensitivas. Do tudo. Do real. Do amor. Da felicidade. Do ódio. Da tristeza. Da plenitude resultante de uma comunhão não lendária com o invisível.
O pavor em atravessar fronteiras. O fomento da mentira original. A angústia como uma redoma quebrada que não protege e faz água. Um poder fragmentário para o qual os jovens não ousaram um projeto de abordagem, posse e restituição. Enlouquecidos, colhem orquídeas plásticas tracejadas por um passado cujo segredo é devastação. Por quanto tempo suportaremos as marolas pelo queixo e a vida sobre as pontas dos pés? Repatriar as memórias durante o enterro do ontem. Se algo anímico sobreviver, a sobra poderá ser visualizada no limiar da espera, num pequeno fragmento polido de um sistema cuja estrada é o conhecimento, e o fim: silenciosa, inexorável e inenarrável fulguração.
XI.
a. Um Sol avermelhado e invernal furando basculantes transparências, entre uma fina camada de pó de papel, que jornaleiramente levanta e assenta à noite. Quando os galpões estão vazios, os homens concluíram sua jornada e transportam até suas casas os pulmões pesados de fuligem. Ainda pela manhã, mas especificamente às cinco e trinta. Ônibus lotado. Suor escorrendo pelas janelas. Respiração visível, Caixa vítrea e metálica embaçada. Todos sisudos e encolhidos. É segunda-feira, e neste dia, tudo se transverte muito sério. O despertador soa, mas há minutos já estávamos acordados. Esperando. Esperando pra constatar como sempre, que a seqüencialidade não é uma questão de relógios, mas de refúgios. Dentro de cada um as possibilidades infinitas. Por fora, acotovelado, pisado e espremido, regozijava. O coletivo. Vítima cadavérica da História. Boi. Astronauta silenciado sob uma cortina espúria. Solidão ignorada e sem registro. Aplacado através do canto sussurrado, um pouco do nosso cansaço.
b.
Quantificando lembranças úmidas e caras ao coração: louvemos as almas que através dos livros esvaziaram seu conteúdo sobre nossas existências. E Moisés, Salomão... o que foi aquilo, heim? Literatura pura. Poucos textos atingiram à altura do Gênesis, Jó, Eclesiastes ou o Apocalipse de João (o esquizofrênico). Beleza. Não dogma. Para assim, a narrativa transviada dos fatos desvirtuados vir à tona, pra que a última crença mística morra; os aparvalhados quanto à vida: sejam extintos e surjam os homens para os quais deuses e heróis parecerão bufos caracteres dignos de comédia. Desnecessárias as pantomimas. As palavras são flechas preciosas. Nossas crianças serão preparadas para a digna missão de repor a flora e a fauna, com fausta alegria e cariciosa lentidão. Tudo. Simplesmente tudo em homenagem ao Deus Sol. Sim. Todos nós numa estação longínqua, assistindo a pequena gota dentro da gota, estourar: antes, voemos pelo cosmos!
XII.
Em todos os corações ainda sensíveis, nas mentes que no aprofundamento do pensamento estão engajadas: levanta-se um monumento aos mortos do sonho azul do espaço, dos campos verdes do trabalho, aos que sonham em meio ao seu labor: Um mundo melhor. Nada piegas. Apenas harmonia silenciosa entre os seres. Respeito mútuo. Sem incógnitas. Sem desilusão. As coisas sem máscaras. Tão somente como deveriam ser. E como são? Uma cadeira de balanço vazia balouçando ao som de um forte e quase eterno vento. No horizonte a chegada da milionésima chuva ácida. Teto de zinco esburacado. Os nervos de aço do vazio. Ouço um grito de criança e desisto de por fim ao curso metabólico. Resistência há, enquanto houver fogo nos olhos. Labaredas que batizam essa irreversibilidade de uma geração frente a uma miséria que inunda o olhar de todos os vivos. Segredos insulares. Mero mergulho na escuridão do corvo. Outros vapores. Depressão perfilada. Um giro. 360°.
Troncos ligados. Espíritos mudos numa viagem rumo ao destino. Se felizes e vertiginosos, nossos sentidos pedem pelo caminho dos murmúrios dos riachos. Nestes momentos dorme a pequena ave. Livre da vastidão de nossos olhos: não teme a noite. Afastados os fios de cabelo dos vértices dos pesadelos. Gigantesca fenda aberta. A ponta das asas invadindo o recinto, rasgando a superfície sensível de milhões de litros de nitroglicerina, a cidade sem eletricidade se cala. O céu espelha estrelas cadentes. O ar quente se expande. Pedaços de corvos espalhados por todo planalto. E pelo vale: as cores atlânticas trocadas por marrom fúnebre. O granito virou pó. E naquela cadeira de balanço, sentará com cara de estafermo um descendente meu, que pela grossura dos modos e deformação mental, reputo como sobrevivente de um pesadelo. Então, o corvo deixou de ser corvo, como o corpo deixa de ser corpo: libertação. O espantalho não precisa mais ser mordaz. Nem precisa mais ser espantalho. Harmônico, é instrumento do caos na orquestração do mundo. Se renascerem, os corvos serão ingênuos, e ele estará pronto pra degluti-los. Aos que desistem: morte. Aos que resistem à morte: um horizonte tranqüilo e sem aves de rapina. Física a ausência mística. Desnecessária qualquer interpolação espiritual. Deslumbramento com o fogo, insanidade hilária ante à pequenos vislumbres do todo. Liberto cinzas com olorosas fumaças. Atravesso a nuvem de queratina transformado num sublime adeus. Soluço ecoando numa cúpula de lágrimas. Pássaro formado por fibras, nervos e sangue. Errante em meio às matas. Sobrevoando rios. Mantendo-se contraditório ao analisar destinos. Calma encontrada longe do escravismo do querer do tempo um divã. Calma portuária sob a segurança de teus olhos cedentes. Lentes naturais que determinam um brilho ímpar e duradouro. Proveniente de uma memória distante, ou somente um ponto, sim! algo minúsculo onde há uma pena negra que paira.
XIII.
“Está por surgir uma nova ordem, cujos
contornos não são ainda discerníveis na
bruma da história.”
( Roberto Campos – em ‘Lanterna na Popa’.)
(Sobre harmonia de Iko Vedovelli e Melodia de Danicircosolar)
a.
O palhaço deste circo
vai chorar de dor,
de medo e horror.
Desta comédia louca
em que a vida é pouca:
tinha que haver bem mais.
O Sol de um inverno negro
onde o vazio é tudo,
um universo surdo
onde doidos são,
os que pensam ser:
normais.
b.
São triplos mortais?
Será, que aplausos virão?
A vida voa e meus pés não chegam
onde teu sorriso cai,
mas tuas mãos não alcançam.
Levanta palhaço, alegria há de vir,
não adianta chorar, reinventa a criança:
o show tem que seguir!
Mesmo que seja inútil aplaudir,
o circo não pode,
não quer
e não vai mais
parar.
c.
Será que vais temer?
Ou vais andar comigo?
Tira o teu nariz, volta a ser alguém!
Sem este rosto triste e tenso,
enquanto a lágrima não vem.
O circo escureceu? Faz-se urgente o fim?
Ergue teu olhar! Corta a tua raiz,
que em teu peito a ilusão de ser
feliz mais uma vez: vai explodir!
d.
Sobe sobre brisa a delicada trapezista,
oscila nas balizas é preciso perfeição.
Respira e num segundo
se arremessa e em pleno ar.
Concentram os sentidos,
são vigorosas as suas mãos
e os olhos são:
do palhaço tentando ver
O circo azul.
São simples, duplos, triplos
saltos lindos e mortais,
será que esta noite a estrela dela vai brilhar?
O público está ávido
por um por um grande final
que nem percebe quando
ela despenca rumo ao chão.
E o palhaço?
No carrossel, da ilusão, se despede:
da dor
de ter de fazer rir,
toda a multidão
e não poder jamais,
voltar a ser feliz.
Agora sim é só seguir,
ao som dos próprios passos vai surgir
em dança sem igual,
só um menino só
apagando a luz do sol,
e indo só dormir
e indo só...
e.
Pode haver fim para o inexplicável? Não! Não! Não, infinitas vezes não... Não haverão vozes, porém sim! Sim! Sim, eternas são as coisas que não dependem, nem encontram ressonâncias nas instáveis e incompletas palavras. Sim! Sim! Sim! Olhemos ao longe. É extraordinária a marola. Sim! Sim! Sim! O que vem depois? Sim! Sim! Sim! Olhai que já nos vem. É indecoroso mitificar. Intuir? Sim! Sim! Sim! O inenarrável é a onda...
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