Para que os homens não se atirassem facilmente ao suicídio, a caixa do infinito aberta por Pandora, libertou a esperança: beberagem sutil e embriaguez demoníaca. Entorpecimento brusco e esquecimento paliativo. Sendo que, as profecias, brotam somente no estrume dos mitos e a crença no 'por vir', é o símbolo que traduz este universo narcísico, composto por tudo o que vive, e está em guerra com a sombra definitiva da morte. Então, a esperança alimenta e impulsiona homens e anjos caídos. É sobre a queda dos 'iluminados' que versam os oráculos, cujo prazer afetado, repugnante e ressentido é sempre revestido com tons tenebrosos em meio a espúrios dizeres de maldição. Existe um círculo quase silencioso: este proclama que os degredados do paraíso primevo, contrapuseram-se ao vingativo solitárioeunucodeusúnico, argumentando através de Lúcifer, que a criação do homem faria surgir uma inversão tão grande nas polaridades do Cosmos, que uma força chamada tempo surgiria e envolta em densa névoa consumiria tudo, inclusive os deuses. Como sabemos, através da Bíblia, o eunuco não quis ouvi-los e nem deu-lhes satisfação. Dentro de si presumia que nada acabaria, apenas tudo se reduziria ao silêncio sem luz, depois... Ele estaria lá novamente e tão certo quanto isto, ele recriaria os homens, mesmo sabendo, que estes seriam seus versos mais antagônicos, entretanto para ele, soariam sempre como prosa memorável. Os demônios, logo que a Terra se compôs incandescente, nela foram atirados. Viram Gaia ruiva-incendiária, com farta seiva vermelha brotando do ventre. Eruditos. Musicais por excelência. Estetas fascinados pela criação mas assustados com o seu destino, sofreram porque a Terra convulsiva era um refletir insano de caracteres físicos e sonoros, e durante eras, a terça parte dos anjos agarrou-se na esperança de que, a força desmedida utilizada para dar origem ao todo, originasse um número tão grande de mundos, que o próprio eunuco na tentativa de gerenciá-los, estaria neurastênico dentro de uma inenarrável insanidade, com os olhos voltados para os buracos negros, sentindo-se incapacitado a interferir, não podendo rever os cálculos e, outro dia, o telescópio Hubble, quase flagrou-o em ação, mas quando as lentes captaram um esplêndido berçário de estrelas, ele já havia partido. Com a evolução, fruto do abandono de deus, na bolha azul os demônios, extasiaram-se ante a beleza da fauna, flora e biosfera. Catalogaram desde os seres microscópicos aos grupos macroscópicos mais organizados e, o mesmo fizeram com plantas e minerais. Basta dizer que possuem uma tabela periódica com 179 elementos. Não podem interferir no plano da matéria, entretanto, através de ondas eletromagnéticas nos provocam, ditam idéias e, como alguém hipnotizado, logo após cada palavra, esquecemos o que ouvimos e então pensamos: foi inspiração. Os anjos terrestres são ecólogos ferrenhos, precisam salvar sua espécie de uma possível ausência de um sistema, de uma órbita ou ponto de referência. Como em 'Asas do desejo' do Win Wenders, repousam as asas sobre os ombros de físicos, astrônomos, geólogos, biólogos e etc. Atentam para todas as letras e alfarrábios e sorriem sempre que um poeta arrepia-se sob o leve ruflar das pontas de sua penas. Batalham nas mentes e corações dos homens, para que estes percebem a aproximação do total extermínio e, do irreversível afastamento e enlouquecimento de deus. O tempo não perdoa nada e o homem atenta contra a durabilidade do instante. O paraíso está em risco, sua energia diluí-se e os anjos caídos dependem de nosso planeta tanto quanto nós e, não têm sobre o surgimento da escatologia e seus asseclas, nenhuma responsabilidade. Deixamos o narcisismo de origem divina nos contaminar e sufocar, até que o ar ficasse tão denso quanto a água, o passo pesado como num escafandro e lá fora, circulando os vivos e não mais a 'vida'. O processo civilizatório impôs o estereotipar no indivíduo e, escondeu deus longe da criação e dentro da miserabilidade do ser. Assim, aleijou o homem e semeou a perversidade. O bem, que teve origem no descobrimento da afeição entre os homens: morreu! A percepção de que existem possibilidades ante à perda,é irmã gêmea da afeição e, seu outro nome é esperança e esta, se sobrepõe mesmo quando o amor torna-se um emaranhado de palavras sem sentido. Por isto neste jogo, ela sempre foi a rainha, que agora, agônica vê tombados os peões, enforcados os bispos, roubados os cavalos e postas em ruínas as torres; a rainha foi seviciada, com ela praticam necrofilia e o rei? Ah! Somos nós meu caro leitor; olhe para os outros lá fora, são teus iguais? Uns poucos poliglotas, outros muitos numa língua risível dita angelical, e estes últimos, do português com sua gramática e sintaxe: nada sabem. E assim, abandonados de qualquer possibilidade de permanência ou eternidade, como se fôssemos adolescentes cretinos, mantemos viva a idéia de que o eunuco irá no momento certo, restaurar a integridade da beleza: esta trama harmônica de matéria e luz que em seu comprimento de ondas, originou o olhar, o ouvir e a carícia. Sim, estímulo físico de afeto, que foi aia da rainha esperança, viu esta nascer, crescer e com esta morreu ao sentir através de nossos olhos e apodrecidas mãos, a indiferença frente a um cadáver que originamos e maculamos com a nossa ignorância.
EnD
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